Uma felicidade compulsória
Tudo que implica em simulação de alegria envolve uma pressão que me põe aflita. A esquisita da turma, eu só aceitava vestir a roupa de chita depois de muita negociação
Nunca gostei de dançar a quadrilha. Mas, na infância, era quase uma imposição. Coordenadores de escolas infantis parecem pensar em junho o ano todo, tamanha a animação com a festa e os seus preparativos.
Quando criança, os professores mobilizavam com antecedência os alunos, intimados a comparecer aos ensaios na quadra de esportes. Caprichavam na decoração, com bandeirolas coloridas no teto das salas, e convidavam os pais para o espetáculo.
A festa junina permitia conhecer todos os tios, pais de nossos coleguinhas. Famílias inteiras compareciam ao grande evento, no qual virávamos pequenas estrelas obrigadas a acertar o passo (caminho da roça, caracol, túnel...).
Fazíamos os passos sob o comando de um marcador exigente, geralmente um professor que trocava a sisudez diária pela estridência dos gritos. “Olha a cobra!”. “É mentira”. E a música, de tão alta, estalava nos ouvidos.
Fotógrafos contratados pela escola, carregando máquinas enormes, encarregavam-se do registro individuais das crianças fantasiadas, diante de fundos falsos que simulavam casas de taipa, cenários forjados com esteiras de palha grampeadas.
Tudo aquilo, aliás, tudo que implica em simulação de alegria, envolve uma pressão que me põe aflita. A esquisita da turma, eu só aceitava vestir a roupa de chita depois de muita negociação. Quando vejo fotos antigas, noto como estava desconfortável.
Uma maria chiquinha teimosa, escorregando nos cabelos muito lisos, batom vermelho nos lábios fininhos, meio borrado, cinco ou seis bolinhas pintadas com caneta, nas bochechas, dentro de borrões em círculos feitos de pó compacto.
O vestidinho no capricho, a minha mãe costurava na sua máquina Singer com afinco, dois meses antes da festa. Sapatinho de boneca apertavam sem piedade os dedinhos dos pés. Era comum ver crianças descalças voltando pra casa.
Na expressão daquela felicidade compulsória, havia sempre uma inquietação. Nada contra o São João, celebração das mais bonitas, explosão de cores e sabores, além de ter se tornado, ao longo dos anos, uma festa culturalmente afirmativa.
O que me agoniava mesmo é o que me agonia ainda hoje. As festas marcadas no calendário, violando a timidez. E a imposição de um movimento que nos arranca do silêncio seguro da quietude.
Eu também tinha pavor de festas juninas. Ficava com vergonha de pintar sardas, passar batom. E até hoje tenho ojeriza à fantasias e festas programadas.